Entrevista com Marina Fisher Nucci

sábado, 11 de dezembro de 2010

O sexo do cérebro

Autora do trabalho “O sexo do cérebro: uma análise sobre gênero e ciência”, a cientista social Marina Fisher Nucci, pesquisadora do CLAM, doutoranda do Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ) e professora do Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade (EGeS), foi uma das premiadas na categoria “Mestre e estudante de Doutorado” do concurso “Construindo a Igualdade de Gênero”, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). No trabalho, fruto de sua dissertação de mestrado no IMS (orientada pela profa. Jane Araujo Russo), Marina buscou investigar e discutir concepções acerca do gênero e da sexualidade na produção científica e biomédica contemporânea e as teorias naturalizantes e biologizantes sobre orientação sexual e gênero, usadas para “explicar” as diferenças entre homens e mulheres e entre hetero e homossexuais (Clique aqui e veja uma lista de estudos neurocientíficos sobre orientação sexual e identidade de gênero).

“Procuro mostrar a forma como essas teorias são construídas, como as pesquisas são feitas, como surgem e o que elas tentam provar”, explica a pesquisadora. Uma delas é a teoria do hormônio pré-natal, surgida na universidade de Kansas (EUA) no final da década de 1950, a qual apregoa a idéia de que o cérebro é masculino ou feminino. “Então, por exemplo, a mulher transexual (o homem que nasceu com o sexo biológico masculino e se tornou mulher) teria, segundo essa teoria, um cérebro feminilizado. Um cérebro de mulher num corpo masculino. Tal ideia até hoje é muito difundida, havendo muitas pesquisas sobre ela”, afirma Marina.

Várias autoras feministas criticam essas pesquisas. Em “O sexo do cérebro”, Marina Nucci utiliza algumas delas, como Londa Schiebinger, Anne Fausto-Sterling, Marianne Wijingaard, além de Nelly Oudshoorn, autora que, na década de 1970, ficou famosa por criticar a teoria dos hormônios, segundo a qual os hormônios, e suas conexões com o cérebro, determinam o comportamento frente ao sexo oposto e a inteligência de homens e mulheres. “Há uma extensa crítica feminista a essas pesquisas. Essas autoras podem ser chamadas de feministas biólogas. São formadas em ciências biomédicas e fazem uma crítica de dentro da ciência”, relata a pesquisadora, na entrevista a seguir.

A 6ª edição do Prêmio “Construindo a Igualdade de Gênero” é uma iniciativa do CNPq juntamente com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR), Ministério da Educação (MEC) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNFEM). No total foram 4.560 trabalhos enviados para concorrer ao prêmio. Os vencedores recebem esta semana as premiações em dinheiro, computadores e bolsas de estudos. Para ler o artigo premiado, clique aqui

São muitas as pesquisas e teorias biomédicas que procuram explicar por bases biológicas as diferenças entre homens e mulheres e entre heterossexuais e homossexuais?

Há muitos estudos e trabalhos recentes. As pessoas tendem a achar que isto é uma coisa antiga e que foi abandonada. Mas pesquisas do tipo estão sendo feitas até hoje. Na minha pesquisa, analisei pesquisas recentes, de trabalhos publicados de 1995 a 2009.

O que elas normalmente apregoam?

Elas procuram buscar marcadores biológicos do gênero. Há pesquisas que vão observar criancinhas brincando com carrinhos ou bonecas e vão falar se as meninas brincam mais com carrinhos ou bonecas, e se os meninos brincam mais com um ou com outro. De acordo com esses estudos, isto seria um indicativo do grau de feminilidade ou masculinidade dessas crianças.
Existem várias pesquisas que focam o tamanho do cérebro. Mas as pesquisas que eu analisei são mais direcionadas à configuração cerebral, menos focadas no tamanho em si e mais no modo como o cérebro se organiza. Eu trabalhei a partir da idéia de Thomas Laqueuer sobre dimorfismo sexual, surgida a partir do século XIX. Parto da crítica que Laqueur faz à ciência.

Ciência como algo temporal e socialmente construída?

Sim, a ciência não é neutra, é localizada. Ciência diz respeito à política e à sociedade de cada época. Segundo Laqueur, o que vigorava no século XVIII era um modelo de sexo único. Mais tarde, este modelo daria lugar à idéia de dimorfismo sexual. Então, num momento a ciência sustentava não haver diferenças, que os órgãos genitais femininos eram exatamente os mesmos, apenas localizavam-se no interior do corpo devido à falta de calor vital. Acreditava-se que, caso recebessem mais calor, as mudanças nas estruturas corpóreas fariam com que o corpo feminino passasse facilmente da categoria social feminina para a masculina. Nesse sentido, a natureza teria uma tendência de caminhar sempre para o sexo perfeito, o masculino, reforçando a superioridade masculina. É a idéia da hierarquia de gênero. Então, o homem é hierarquicamente superior à mulher. A mulher seria um homem imperfeito, um homem menor.

O que proporcionou a mudança na concepção da ciência?

Aí surge a idéia de que existem homens e mulheres completamente diferentes. São dois corpos completamente diferentes, são ossos diferentes, bacias de tamanho diferentes, nervos. Então, são seres diferentes. Eles são complementares, porém diferentes. Isso significa que há lugares diferentes para seres diferentes. A idéia que o Laqueur coloca é que essa idéia de dimorfismo sexual quer justificar o lugar inferior da mulher na sociedade.

Se antes não existia o dimorfismo sexual, anatomicamente falando, por que passou a existir? De onde surge a necessidade de diferenciar e hierarquizar?

Essa teoria aparece justamente na época em que o liberalismo surgiu, trazendo a ideia de que as pessoas são todas iguais e devem, por isso, ter direitos iguais. Então, a ciência surge para justificar esse lugar da mulher na sociedade, ou seja, a mulher como não portadora de direitos. As pessoas são todas iguais, mas a ciência vai legitimar as desigualdades e as hierarquias de gênero, colocando a mulher como inferior, sem direito ao voto, excluída da vida pública, e destinada ao lar e à maternidade. Esta justificativa biológica da diferença de gênero, dos papeis diferentes e do papel inferior da mulher na sociedade teve um grande impacto na vida política, econômica e cultural. E o movimento feminista vai questionar essa justificativa biológica da suposta inferioridade feminina.

O feminismo surge num primeiro momento como uma crítica?

Isso, ele surge com as teóricas feministas, mulheres que pensavam e escreviam sobre sociedade. A partir principalmente no final do século XX, elas partem de uma crítica à ciência, uma crítica à justificativa biológica para as diferenças de gênero.

As definições científicas do corpo feminino e, por extensão, do papel social das mulheres na hierarquia social, foram determinadas por uma comunidade científica da qual as mulheres praticamente não faziam parte. Ou seja, todas essas concepções de ciência em relação à diferença biológica entre homens e mulheres eram feitas por uma ciência masculina?

Isso, eram cientistas homens, as mulheres não tinham direito de estudá-las, não podiam fazer ciência. Estavam excluídas. Os resultados obtidos por essa ciência acabariam por justificar e legitimar ainda mais essa exclusão.

O que acabou por atrelar a mulher à função reprodutiva?

As próprias pesquisas médicas em que tudo que era relacionado à mulher era ligado à reprodução. Então, era como se a mulher só servisse para isso. A mulher não podia estudar, porque iria gastar energia à toa. Ela nunca iria se igualar aos homens, serviria apenas para a reprodução e, por isso, o corpo da mulher se torna mais medicalizado. É isso o que a pesquisadora Fabíola Rohden (UFRGS) fala em sua tese sobre o surgimento de uma ciência para a mulher – a ginecologia. Mas não vai haver uma ciência análoga aos homens, a andrologia, por exemplo. Até hoje a mulher vai muito mais ao médico do que o homem. Eles não freqüentam o urologista uma vez por ano, como a mulher vai ao ginecologista.

Por que o corpo feminino se tornou mais medicalizado que o corpo masculino?

Há algumas hipóteses. Porque quem fazia a ciência eram os homens, a mulher estava num papel inferior, a medicina serviu para justificar esse papel da mulher. Talvez por esse motivo a mulher seja mais medicalizada que o homem.

Em seu trabalho você analisa a idéia de que os hormônios, e suas conexões com o cérebro, determinem o comportamento frente ao sexo oposto e a inteligência de homens e mulheres?

Sim, analisei pesquisas que partem da idéia de que muita testosterona no útero vai criar um cérebro masculino e, conseqüentemente, um comportamento masculino. O menino, por ter recebido testosterona no seu desenvolvimento enquanto feto, vai querer brincar de carrinho, depois vai ser mais agressivo, mais racional, e terá mais habilidade para a matemática, por exemplo. Enquanto a menina, que não recebeu testosterona, seria mais empática, mais cuidadosa e cuidadora, e vai preferir brincar de boneca. Então, essas teorias vão afirmar que tudo isto que vemos como características de gênero são determinadas, ainda durante o desenvolvimento do feto, pelos hormônios pré-natais. Nelly Oudshoorn mostra que, quando as primeiras pesquisas sobre os hormônios começaram a acontecer, no início do século XX, a idéia era que existia hormônio masculino e hormônio feminino. Então, os cientistas foram medir o nível hormonal.

Que contexto cultural possibilitou o surgimento dessas pesquisas?

A idéia dos pesquisadores da endocrinologia, como a Nelly Oudshoorn mostra em seu livro, era que os hormônios sexuais eram masculinos ou femininos e ponto final. O problema é que, quando foram medir o nível de hormônio em homens saudáveis, foi encontrado o hormônio “feminino”, o que causou um grande espanto nos pesquisadores. Eles pensaram: “Como pode haver na urina de um homem normal um hormônio feminino”. Então, várias especulações surgiram, para justificar essa diferença dos corpos: na verdade, eles seriam “hermafroditas latentes”, ou teriam ingerido o hormônio, por exemplo.

A teoria do hormônio pré-natal explica também a diferença entre homossexuais e heterossexuais?

Segundo essa teoria, haveria um contínuo de “masculinidade” e “feminilidade” cerebral. Então, enquanto haveria um heterossexual com cérebro masculino, o homossexual teria um cérebro mais feminilizado ou menos masculinizado, por, supostamente, ter recebido menos testosterona durante o desenvolvimento do feto.

Você acredita que a biologia tem um papel preponderante na esfera política?

Acho que cada vez mais. desde o surgimento dos ideais de igualdade, deu-se mais importância à biologia e passou-se a pensar a ciência como algo puramente racional. A idéia difundida para o público leigo é que o que é determinado cientificamente não tem discussão.

Buscar na biologia a explicação do comportamento sexual ainda é uma tendência muito freqüente hoje em dia? Tais pesquisas não seriam maléficas no sentido que acabam por reforçar a ideia de “problema” e estigmatizar ainda mais comportamentos e identidades sexuais tidos como desviantes?

Toda hora vemos no jornal que “descobriram” o gene responsável pela transexualidade, por exemplo. Mas não podemos pensar a ciência como se esta fosse malvada, é preciso pensar de modo menos dualista, como se houvesse o bem e o mal.


Fonte: CLAM

Videoconferência Educação, Cidadania e Homofobia

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010


A Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, em parceria com a Fundação do Desenvolvimento Administrativo, da Secretaria da Gestão, promove na próxima quinta-feira (09/12), das 14 às 17 horas, a última da série de três videoconferências previstas para o mês de dezembro. O tema a ser abordado é Educação, Cidadania e Homofobia.

Para tratar do assunto, Janaina Lima, Beto de Jesus e William Siqueira Peres vão falar sobre a educação, cidadania e homofobia. Serão tratadas questões atinentes ao bullying homofóbico, violência simbólica no espaço educacional, intolerâncias às diferenças sexuais, desafios e conquistas da cidadania LGBT.

A videoconferência é parte integrante do projeto “A Conquista da Cidadania LGBT: a Política da Diversidade Sexual em São Paulo” e objetiva capacitar, em especial, os servidores públicos do Estado de São Paulo, conforme determina o Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania LGBT, que define ações e metas a serem desenvolvidas por 11 Secretarias do Governo Paulista no biênio 2010-2011.

A apresentação ao vivo é aberta a todos(as) interessados(as). Basta acessar o link http://media.escolasdegoverno.sp.gov.br/diversidade. Durante a videoconferência é possível interagir com os entrevistados mandando sugestões e perguntas pelo endereço fundap.vc@fundap.sp.gov.br

Janaina Lima
Pedagoga, ativista e militante do Movimento de Travesti no Brasil. É Coordenadora do Fórum Paulista de Travestis e Transexuais. Integra o Identidade – Grupo de Luta pela Diversidade Sexual e a ANTRA – Articulação de Travestis e Transexuais.

Beto de Jesus
Educador e ativista do Movimento LGBT Brasileiro. Foi Secretario para América Latina e Caribe da International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans people and Intersex Association. Atualmente é Diretor da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais e
coordenador do Instituto Edson Neris.

William Siqueira Peres
Psicólogo. Mestre em Psicologia pela UNESP/Assis. Doutor em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ. Pós-Doutor em Psicologia e Estudos de Gênero pela Universidade de Buenos Aires. Professor do Departamento de Psicologia Clínica – UNESP/Assis.

Videoconferência: legislação e saúde para LGBT: 07/12 das 14 às 17h

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, em parceria com a Fundação do Desenvolvimento Administrativo, da Secretaria da Gestão, promove na próxima terça-feira (07/12), das 14 às 17 horas, a segunda, da série de três videoconferências previstas para o mês de dezembro. O tema a ser abordado é Direitos Humanos da População LGBT.

Para tratar do assunto, Dimitri Sales, Artur Kalichman e Roseli Tardelli vão falar sobre a legislação estadual voltada para a população LGBT, como a Lei 10.948/01, que pune a discriminação homofóbica, e o Decreto 55.588/10, que garante a travestis e transexuais o direito à escolha de tratamento nominal nos órgãos públicos do Estado de São Paulo. Além disso, questões de saúde, como a criação do Ambulatório Especializado em Saúde de Travestis e Transexuais, serão apresentadas.

A apresentação ao vivo é aberta a todos os interessados. Basta acessar o link http://media.escolasdegoverno.sp.gov.br/diversidade. Durante a videoconferência é possível interagir com os entrevistados mandando sugestões e perguntas pelo endereço fundap.vc@fundap.sp.gov.br


Dimitri Sales
Advogado. Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro Colaborador da Comissão de Direitos Humanos e do Comitê de Estudos da Diversidade Sexual, órgãos da OAB/SP. É o Coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo.


Artur Kalichman
Mestre em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo, é médico sanitarista do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids da Secretaria de Saúde (SP). Atualmente é Coordenador Adjunto e Diretor Técnico substituto do CRT – DST/Aids.

Roseli Tardelli
Jornalista e apresentadora de programas de rádio e TV, como Roda Viva, da TV Cultura, e Espaço Informal, da Rádio Eldorado AM, é fundadora e Diretora Executiva da Agência de Notícias da Aids e da Agência de Notícias de Resposta ao Sida, em Moçambique.
Fonte: Pagu

EUA: Universidade Yale ganha sua primeira revista LGBT

sábado, 4 de dezembro de 2010

Publicação quer se transformar em guia para os estudantes celebrarem a diversidade sexual.
Os universitários da Yale passam a contar a partir desta sexta-feira, dia 3, com a primeira revista LGBT da universidade.

Revista Q - Primeira publicação LGBT da Universidade Yale

Batizada de Q – da palavra Queer -, a publicação será distribuída semestralmente no campus da Yale sob edição de Jake Conway e Alice Song – alunos da turma de 2011.
“Sua missão é servir como um guia para estudantes no campus celebrarem o orgulho LGBT. O conteúdo da primeira edição, We Are Yale, traz experiências pessoais de dez estudantes que representam a diversidade e a vida gay em Yale; e uma revelação histórica sobre relacionamentos homossexuais em Yale na década de 19.”
A primeira edição da Q conta com tiragem de 2,5 mil exemplares. Os editores já pensam na próxima edição que também deve ser lançada online.
Fonte: Dolado

Frente Blogueira LGBT

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